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Dançando com o Absurdo

  • Foto do escritor: Matheus Benites
    Matheus Benites
  • 26 de dez. de 2024
  • 6 min de leitura

Atualizado: 31 de dez. de 2024

“Por que estou sempre preso no trem dos meus pensamentos?”, você se pergunta, aflito, diante do computador do escritório. Ding! Chega um e-mail. Você pensa que é aquela grande resposta que espera, mas… é mais uma oferta. Ofertas, sugestões de conteúdo, a pilha de notificações vazias cujas assinaturas você esqueceu de cancelar se avoluma. Pessoas, quando não entidades corporativas fictícias, te dizendo no que acreditar e como se comportar. Mas você lê por trás daquela hipocrisia a verdadeira intenção de te vender algo. Nas redes sociais, as opiniões as mais diversas. Tudo está horrível no mundo por causa de X, tudo está horrível no mundo por causa de Y. Tudo está ótimo no mundo por causa de X, tudo está ótimo no mundo por causa de Y. Está havendo uma crise de significado no ocidente?


Talvez. Longe de curar o mundo, se é que ele está mesmo doente, um filósofo pode no máximo ajudar indivíduos. Minha proposta para você encontrar equilíbrio e um senso de satisfação com a vida em 2025, apesar das incógnitas e desafios da realidade, é simplesmente ater-se à própria vida. Eu chamo essa posição de hedonismo equilibrado naturalista. Você não precisa viver em função do que imagina que agrade a um ser sobrenatural, ou passar os seus dias e anos esperando por uma outra vida, projetando toda a sua felicidade, que você poderia muito bem ter nesta vida, em uma outra vida, perfeita, ao lado de Deus no Paraíso. Talvez você sabia, como eu, quão improvável é que algo assim realmente exista, não é verdade? Talvez, você mais quer que o paraíso exista do que realmente acredita nisso, mas evita pensar sobre o assunto para não ser confrontado com a dúvida existencial. Então escolhe acreditar com todo o seu ser, cercar-se de pessoas que fazem o mesmo, e jamais questionar. Uma mentira contada mil vezes, se torna uma verdade — era o lema do ministro da propaganda nazista. Ao abrir mão do pensamento crítico em prol de determinada ideologia, você está fazendo o que o filósofo Albert Camus chamou de suicídio filosófico. Silenciando sua razão lúcida ao receber, de bandeja, uma doutrina pronta para acalentar suas aflições.


Mas há outra alternativa nesta encruzilhada. Um caminho que vai exigir um pouco de coragem, mas pode rapidamente mudar a sua vida e te tornar muito mais forte espiritualmente e honesto existencialmente. O hedonismo equilibrado naturalista defende que você deve buscar prazer e satisfação na sua vida, dedicando-se ao que realmente te interessa, tornando o trabalho significativo, e desfrutando das coisas prazerosas da vida. O naturalismo defende que todas as causas pertencem ao universo natural, e são explicadas de maneira natural. Nada sobrenatural jamais existiu ou existirá. A culpa que você sente é um mecanismo evolutivo. A inveja, o ciúme, a indignação e a compaixão também o são. A vida evolucionária é sofrida. Devíamos odiar o universo? Bem, não está claro por que você pensa que o universo te deve algum conforto. A vida não te deve nada. Você nem existia e por muito pouco que veio a existir. Milhões de anos de sofrimento evolucionário levaram à sua existência, um ser com consciência e com a possibilidade de ser feliz, em vez de viver cegamente buscando transmitir seus genes adiante como outros animais. Olha que extraordinária é a condição humana! É lógico que essa moeda tem dois lados, entretanto. A angústia, o abismo, nosso sentimento de absurdo, tudo isso precisa ganhar expressão e não pode ser reprimido. Mas você ainda pode ser honesto com seus pensamentos e buscar a felicidade. Como defendeu o filósofo Thomas Nagel, o sentimento de absurdo pode ser encarado com humor, ao constatarmos a nossa posição idiossincrática e especial no universo. Uma vida de 90 anos que não tem sentido, também não teria se durasse 400 anos. Se achamos estranho nossa condição pequena e frágil, dificilmente acharíamos não-estranho se fôssemos gigantes e robustos. O que acontece agora não será lembrado daqui a cinco bilhões de anos. Tampouco o que acontece daqui a cinco bilhões de anos é conhecido agora. Podemos rir sobre tudo isso e cultivar nosso bom-humor. Isso sim, seria dignamente humano, no melhor sentido do termo. Como escreveu Nietzsche: “Aqueles que foram vistos dançando, foram tidos como loucos, pelos que não podiam ouvir a música”. Você não quer ser o cara que, ao caminhar por um bosque, só vê madeira e folhas. Um ser humano só pode florescer se não reprimir sua sensibilidade para a beleza, tanto natural quanto moral. O hedonismo equilibrado naturalista concorda com Aristóteles que a felicidade é uma vida vivida em excelência, em que o indivíduo realiza plenamente seu potencial humano e vive de acordo com a virtude, em harmonia consigo mesmo e com os outros, vida da qual o equilíbrio entre extremos é um elemento fundamental e característico. Em outras palavras, como o filósofo afirma em suas obras como a Retórica e a Ética a Nicômaco, a felicidade se baseará na justa medida entre dois extremos. A coragem é a justa medida entre a covardia e a imprudência. A generoidade, entre a avareza e a prodigalidade. O orgulho, entre a humildade excessiva e a arrogância. A justiça, entre a injustiça e o legalismo extremo. Eu não estou dizendo que o que é natural é bom. Isso seria cometer a falácia naturalista, demonstrada por G.E. Moore. O que eu estou defendendo é que: o que dá prazer, praticado com equilíbrio, está associado à virtude, que está associada à felicidade, que parece ser bom. Essa é a fórmula básica do hedonismo equilibrado naturalista. Ela ecoa, aliás, uma das minhas passagens favoritas da Bíblia.


Os vivos sabem ao menos que morrerão; os mortos, porém, não sabem nada. Não há para eles retribuição, uma vez que sua lembrança é esquecida. Seu amor, ódio e ciúme, já pereceram, e eles nunca mais participarão de tudo o que se faz debaixo do sol.


Eclesiastes 9: 5,6.


A dança (1910), Henri Matisse.
A dança (1910), Henri Matisse.

Não tem nada de errado em buscar prazer. Sexo, por exemplo, é uma das melhores coisas da vida. Mas o sexo deve ser com o outro, e não com uma ideia pré-fabricada e pornográfica do outro (se não, o ato é sempre consigo mesmo, frustrado pelo próprio ego). Todo tipo de prazer só é ruim quando se torna uma espécie de vício, deixando de ser prazeroso. A sociedade que busca transformar tudo em curtível e positivo, influenciando as pessoas a se afirmarem constantemente, pode inibir até mesmo os prazeres mais naturais. Não tem nada errado com o consumo moderado de substâncias que te dão prazer, desde que não se torne um vício, respeitando o que realmente significa a moderação em cada caso. Evidentemente, há substâncias que são inerentemente nocivas e não devem ser consideradas. O ponto é que nossas vidas são nossas para escolher com equilíbrio, honestidade e autenticidade. Não tem nada de errado em não se casar, se a vida com marido ou esposa e filhos não é para você. Se você gosta de ler mangás, ou jogar videogames, vá fazer isto. Se você gosta de fazer origame, vá fazer origame. Você não é obrigado a viver de acordo com os padrões normativos, nem de religiões, nem da sociedade. Não importa se você é hétero, gay, cis, trans, monogâmico, poligâmico, branco, negro ou anão. Como Nietzsche escreveu, em Schopenhauer como educador:


Ninguém pode construir para ti a ponte, sobre a qual precisamente tu deves caminhar acima do rio da vida, ninguém mais além de ti. De fato, há incontáveis sendas e pontes e semideuses, que querem te levar pelo rio; mas somente ao preço de ti mesmo. Tu serias penhorado e te perderias. Há no mundo um único caminho, pelo qual ninguém além de ti pode seguir. Para onde ele conduz? Não pergunte, trilhe-o.


Eu não estou dizendo: busque apenas prazer. Eu estou dizendo: busque uma vida prazerosa, honesta e feliz em torno das coisas que têm significado para você. Também é fundamental, tendo em vista o ciclo vicioso de consumo e narcisismo na nossa sociedade, cultivar o desprendimento de si mesmo. Ser capaz de enxergar o outro. Não tentar enquadrá-lo em suas expectativas mentais, mas se abrir realmente para o diferente. É o alerta do filósofo Byung-Chul Han em Agonia do Eros. Em uma sociedade cada vez mais pornográfica e depressiva, onde pessoas se deprimem com o próprio sucesso narcísico mergulhadas em constantes comparações, encontramos um antídoto no amor (eros) e no diferente. A pornografização do ato sexual anula o eros, priva as pessoas de um contato genuíno com o outro — em uma sociedade na qual a própria libido já se vê refém do domínio da autoimagem e do culto à própria forma física individual. Em 2025, não sucumba ao inferno do igual, da positivação do mundo. Abrace o negativo, o diferente, o absurdo. Talvez não tenha muito mais do que isso a ser dito. Feliz ano novo de 2025, segundo o falso calendário.


Matheus Benites

Rio de Janeiro, 26 de dezembro de 2024

 
 
 
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